Dia das Crianças: por que 12 de outubro foi escolhido no Brasil

O Dia das Crianças é celebrado em 12 de outubro no Brasil, mas poucos sabem por que essa data foi escolhida. A decisão remonta a quase um século atrás, quando o governo federal decidiu oficializar a festa da infância. A história envolve deputados, presidentes, congressos de proteção à infância e, claro, um toque de religião que acabou coincidindo com o feriado nacional.

Origens históricas e o 1º Congresso de Proteção à Infância

Em 1923, durante o 1º Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, reunidos no Rio de Janeiro, debateram‑se medidas para melhorar a vida das crianças. O evento foi uma continuação dos 3º Congresso Americano da Infância, realizados um ano antes, como parte dos festejos do centenário da Independência. Os documentos guardados no Arquivo do Senado em Brasília mostram que esses congressos foram decisivos para definir a data comemorativa.

Os participantes percebiam que a infância ainda não tinha direitos garantidos. Crianças pobres trabalhavam nas ruas, eram marginalizadas, e muitas vezes acabavam presas por pequenos delitos. A proposta era criar um dia que chamasse a atenção do poder público para a necessidade de políticas de saúde, educação e bem‑estar infantil.

O decreto de 1924 e a consolidação da data

A ideia ganhou forma legislativa quando Arthur da Silva Bernardes, então presidente da República, sancionou o Decreto Federal N. 4.867 em 5 de novembro de 1924. O texto, elaborado pelo deputado federal Galdino do Valle Filho, dizia em artigo único: "Fica instituído o dia 12 de outubro para ter lugar, em todo o território nacional, a festa da criança, revogadas as disposições em contrário."

Curiosamente, a escolha de 12 de outubro aconteceu um ano antes da aprovação do decreto, já no congresso de 1923. Isso mostra que a data já estava circulando entre os defensores da infância muito antes de se tornar lei. A coincidência com a festa de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, só aconteceu depois, quando o feriado nacional foi instituído por lei própria.

Do ideal à comercialização: Estrela e Johnson & Johnson

Nas primeiras décadas, o Dia das Crianças tinha caráter eminentemente social. Só na década de 1950 a data começou a ser usada como oportunidade de vendas. Em 1955, a Brinquedos Estrela lançou a "Semana do Bebê Robusto", promovendo um boneco de plástico com rosto rechonchudo. Ao mesmo tempo, a Johnson & Johnson criou o concurso "Bebê Johnson", que permitia aos pais enviar fotos de crianças de 6 meses a 2 anos para concorrer ao título.

Essas campanhas mudaram a percepção da população: o dia passou a ser associado a ofertas, descontos e filas nas lojas de brinquedo. O comércio aproveitou a já existente celebração religiosa para impulsionar as vendas, criando um ciclo que se mantém até hoje. Ainda hoje, nas vitrines de outubro, vemos anúncios de carrinhos, jogos eletrônicos e roupas infantis, tudo sob o selo "promoção do Dia das Crianças".

Comparação internacional e o papel da Unicef

No cenário global, o Brasil foi um dos pioneiros. Apenas em 1959 o Unicef instituiu o Dia Internacional das Crianças em 20 de novembro, inspirado na Declaração dos Direitos da Criança. Outros países escolheram datas distintas: nos Estados Unidos, o "Children's Day" cai no segundo domingo de junho, inspirado por um pastor chamado Charles Leonard; nas ex‑repúblicas soviéticas, a data é 1º de junho, em referência ao Dia Internacional de Proteção das Crianças de 1949.

A falta de padronização mundial reforça a ideia de que a comemoração da infância está ligada a contextos políticos e culturais específicos. No caso brasileiro, a escolha de outubro acabou se alinhando com o culto a Nossa Senhora Aparecida, criando um feriado duplo que combina tradição religiosa e preocupação social.

Impacto cultural e a coincidência com a festa de Nossa Senhora Aparecida

A partir da década de 1970, o Dia das Crianças consolidou‑se como um feriado prolongado, acompanhado por promoções de viagens, shows e eventos familiares. Apesar da forte presença comercial, ainda há iniciativas que lembram o propósito original. ONGs como a Fundação Abrinq e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança (CND) promovem campanhas de arrecadação de alimentos e brinquedos para crianças em situação de vulnerabilidade, sobretudo nos dias que antecedem 12 de outubro.

Historicamente, o conceito de infância foi discutido por pensadores como o historiador francês Philippe Ariès, que argumentou que a ideia de criança como ser distinto só emergiu a partir do século XVIII, influenciada por obras de Jean‑Jacques Rousseau. Essa perspectiva ajuda a entender por que, no início do século XX, ainda havia resistência em reconhecer direitos específicos às crianças.

A coincidência com a festa de Nossa Senhora Aparecida tem sido tema de debates. Alguns historiadores defendem que o alinhamento foi estratégico: unir uma celebração religiosa popular a uma data de política social facilitaria a aceitação popular. Outros acreditam que foi apenas um acaso que acabou se perpetuando por via legislativa.

Perspectivas futuras e a relevância da data

Hoje, o Dia das Crianças continua sendo um termômetro da situação infantil no país. Enquanto o consumo de brinquedos sobe a cada outubro, indicadores de saúde e educação ainda mostram desigualdades regionais. Espera‑se que o próximo governo amplie programas de atenção integral à infância, usando a data como plataforma de campanha.

Em resumo, 12 de outubro não é apenas um dia de presentes; é um marco histórico que reflete lutas, conquistas e transformações na forma como a sociedade brasileira enxerga suas crianças.