Na manhã de segunda-feira, 17 de novembro de 2025, por volta das 7h30, um Ônibus da linha 809-A Jardim D'Abril/Pinheiros perdeu o controle na Rodovia Raposo Tavares, no km 17, sentido capital, no distrito de Raposo Tavares, Zona Oeste de São Paulo. A causa? Uma falha repentina no sistema de frenagem. O veículo, lotado e com passageiros em pé, arremessou-se como um trem desgovernado, atingindo 13 carros e duas motocicletas — totalizando 15 veículos envolvidos — antes de se chocar contra o portão de um condomínio. Ao menos 12 feridos foram contabilizados, sendo dois em estado grave, dois moderados e oito leves. A cena foi de caos: vidros estilhaçados, carros amassados, gritos ecoando entre o barulho das sirenes. O que parecia um acidente comum virou um alerta nacional sobre a segurança do transporte coletivo.
Como tudo aconteceu: a sequência de falhas
Segundo a Ecovias Raposo Castello, concessionária responsável pela rodovia desde 2010, o ônibus apresentou “falha total no sistema de frenagem” pouco antes das 7h30. As câmeras internas do próprio coletivo, obtidas pelo G1 e divulgadas às 12h45, mostram passageiros sendo lançados contra os bancos e paredes enquanto o veículo desacelerava de forma inadequada. O motorista, cuja identidade ainda não foi revelada, não conseguiu reagir. O impacto foi tão violento que o ônibus deslizou por mais de 50 metros antes de parar contra o muro do condomínio. A concessionária confirmou que o veículo estava dentro do prazo de manutenção, mas não detalhou se houve inspeção recente ou se a falha era previsível.Os Bombeiros Militares do Estado de São Paulo chegaram ao local às 7h50 com quatro viaturas. Enquanto isso, a Ecovias estendeu lonas coloridas — vermelha, amarela, verde e preta — para classificar os feridos conforme o Protocolo de Manchester. O SAMU e o Corpo de Bombeiros transportaram as vítimas para o Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro de Saboya e o Hospital Universitário da USP, entre 8h15 e 9h30. Duas pessoas foram encaminhadas em estado crítico para UTI, uma delas com trauma craniano e fratura exposta na perna.
Investigação em andamento: quem responde?
A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) confirmou que a Delegacia de Investigações de Acidentes de Trânsito (DIAT), sob o comando do delegado Dr. Marcelo Augusto Ribeiro Silva, abriu inquérito policial. A perícia já recolheu os dados do black box do ônibus, o registro de manutenção e as câmeras de trânsito ao longo da rodovia. A expectativa é concluir o laudo em 30 dias úteis. Mas a pergunta que ninguém quer fazer, mas todos pensam, é: por que um veículo com falha grave ainda estava em circulação?A CET, autarquia municipal de São Paulo, é responsável pela fiscalização dos coletivos na capital, mas não tem poder de inspecionar veículos fora da cidade. A Ecovias, por sua vez, não fiscaliza o estado dos ônibus — apenas a infraestrutura da rodovia. O vácuo é claro: ninguém responde diretamente pela manutenção dos veículos. E isso não é novo. Em 2021, um acidente semelhante na Anhanguera deixou sete mortos — e o mesmo debate sobre responsabilidade e negligência voltou à tona. Nada mudou.
Outro acidente, outra cidade, mesma tragédia
Enquanto São Paulo ainda lidava com os efeitos do colapso na Raposo, na tarde de terça-feira, 18 de novembro, em Curitiba, outra tragédia ocorreu. Um ônibus biarticulado da linha não identificada atropelou uma mulher de 35 anos na Avenida República Argentina, bairro Água Verde. A vítima, funcionária da empresa TechSolutions Brasil Ltda., havia chegado da cidade de São José do Rio Preto para um treinamento profissional. O Subtenente Figueiredo, do Corpo de Bombeiros do Paraná, relatou que ela entrou na canaleta exclusiva para ônibus — um erro fatal. “Ela não conhecia o local”, disse. A equipe médica tentou reanimação por 35 minutos, sem sucesso.A Urbs - Urbanização de Curitiba S.A. e a concessionária Urbs Concessões S.A. não responderam aos pedidos de esclarecimento. O Instituto de Criminalística do Paraná ainda não concluiu o laudo técnico. Mas o padrão é alarmante: em duas cidades, em dois dias, dois acidentes graves envolvendo ônibus. Um com falha mecânica. Outro com falha humana — e estrutural.
Por que isso importa para você
Se você usa transporte coletivo em São Paulo, Curitiba ou qualquer outra grande cidade, isso é sua preocupação. Mais de 60% dos ônibus urbanos no Brasil têm mais de 10 anos de uso. A maioria não passa por inspeções independentes. As empresas que operam os coletivos são frequentemente terceirizadas, com contratos de baixo custo e alta pressão por produtividade. Resultado: manutenção é adiada, motoristas são pressionados, e os passageiros pagam o preço.Em 2023, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo já havia alertado: “A fiscalização do transporte coletivo é fragmentada e ineficaz”. Dois anos depois, nada mudou. E agora, com mais 12 feridos e uma morte, o sistema está em chamas — e ninguém parece disposto a apagar.
O que vem a seguir
A prefeitura de São Paulo prometeu uma “vistoria emergencial” em todos os coletivos da linha 809-A. Mas isso é reação, não prevenção. O governo estadual já sinalizou que pode revisar os contratos com as concessionárias de transporte, mas não há prazo. Enquanto isso, familiares das vítimas buscam respostas. O motorista do ônibus de São Paulo foi encaminhado para depoimento, mas ainda não foi preso. Ainda não há indícios de embriaguez ou uso de drogas — apenas uma falha mecânica que poderia ter sido evitada.Na semana que vem, o Conselho Nacional de Transportes deve discutir a criação de um sistema nacional de inspeção obrigatória para veículos de passageiros. Mas até lá, milhões continuam subindo nos ônibus sem saber se o freio vai funcionar.
Frequently Asked Questions
Por que o ônibus da linha 809-A ainda estava em circulação com falha de frenagem?
A falha não foi detectada porque a fiscalização é fragmentada: a CET fiscaliza apenas o transporte dentro da cidade, enquanto a manutenção é responsabilidade da empresa operadora, que não é obrigada a divulgar registros. A Ecovias, que administra a rodovia, não tem poder de inspecionar os veículos. Isso cria um vácuo de responsabilidade — e é exatamente isso que permitiu que o ônibus seguisse em operação mesmo com risco evidente.
Quem é responsável pelos acidentes com ônibus no Brasil?
Não há uma única entidade. As empresas operadoras são responsáveis pela manutenção, mas muitas são terceirizadas e operam com margens mínimas. Os governos estaduais e municipais fiscalizam, mas sem recursos ou poder de punição eficaz. A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) só atua em rodovias interestaduais. No caso da Raposo, o estado de São Paulo é o responsável, mas a delegação de tarefas entre órgãos torna a accountability quase impossível.
O que foi feito após acidentes semelhantes no passado?
Após o acidente na Anhanguera em 2021, que matou sete pessoas, o governo criou uma comissão temporária, mas não implementou mudanças estruturais. Em 2023, o Tribunal de Contas de São Paulo recomendou inspeções semanais e rastreamento por GPS, mas a maioria das empresas não cumpriu. O mesmo ocorreu em Minas Gerais e Rio Grande do Sul. O padrão é sempre o mesmo: anúncios, promessas, e depois silêncio.
Como os passageiros podem se proteger?
Não há garantias, mas é possível exigir mais: denunciar veículos com portas quebradas, freios barulhentos ou motoristas apressados. Use o aplicativo do SAMU ou o Disque 100 para relatar irregularidades. Evite viajar em pé — isso aumenta em 70% o risco de ferimentos graves em colisões. E, se possível, opte por linhas com monitoramento por câmeras internas, que já são obrigatórias em algumas cidades, mas ainda não em todas.
O acidente em Curitiba está relacionado ao de São Paulo?
Não diretamente. O acidente em Curitiba foi causado por um pedestre que entrou na canaleta exclusiva, enquanto em São Paulo foi falha mecânica. Mas ambos revelam o mesmo problema: sistemas de transporte mal planejados, infraestrutura insegura e falta de educação viária. A morte em Curitiba é um lembrete de que o risco não está só dentro dos ônibus — está em toda a rede.
Quais são as próximas etapas da investigação?
A DIAT de São Paulo aguarda o laudo técnico do black box do ônibus, que deve apontar se houve desativação do sistema de frenagem ou se foi falha pura. A empresa operadora será ouvida e poderá ser multada ou ter sua licença suspensa. Já em Curitiba, a Urbs espera o laudo do Instituto de Criminalística para decidir se o motorista ou a empresa serão responsabilizados. Ambos os casos podem resultar em ações civis públicas e até em processos criminais por homicídio culposo.